Por: Leandro Massoni
Durante o nosso caminhar da profissão, acompanhamos diversas
histórias que envolvem a identidade de pessoas que se encontram envolvidas em
casos de polícia e de violência noticiados diariamente pelos veículos de
comunicação. Mas o que deve sempre prevalecer é a forma como você trabalha com
esses fatos.
No Art. 5º da Constituição Federal de 1998, que diz respeito
à liberdade de expressão, também reflete que são invioláveis a intimidade, a
vida privada, a honra e a imagem das pessoas, dando segurança ao direito à
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Neste
quesito, devem ser avaliados os métodos como são apuradas as matérias levando
em consideração a questão da imagem veiculada dos que estão presentes ao
acontecimento.
Analisando a forma como a TV trabalha seu conteúdo, existem
certos pontos a serem debatidos. A forma como a mídia busca tratar o seu
conteúdo visando noticiar a realidade para seu determinado público às vezes
pode gerar vários desdobramentos e discussões da forma como foi tratado o tema.
É preciso ter delicadeza quando o assunto é expor a imagem de um sujeito que
pode ser tanto o bandido quanto uma vítima ameaçada.
Existem hoje muitos programas jornalísticos que têm como
objetivo mostrar, por meio de um tom mais policialesco e sensacionalista a
forma como o assunto é narrado. Assistimos casos que, até um determinado ponto,
começamos a questionar se era o necessário a veiculação de certas imagens,
argumentos ou a busca pela notícia através de recursos que se encontram na
legislação como ilegais para a prática do jornalismo.
O valor jornalístico é o fator preponderante para o
enriquecimento da matéria. Os métodos usados na busca por informações que
possam ser relevantes são considerados válidos para a divulgação de uma
reportagem com cunho investigativo mais aprofundado.
Um dos casos em que este pensamento se encaixa é o do
assassinato cometido pelos irmãos Cravinhos aos pais de Suzane Von Richthofen,
a própria mandante do crime em 2002. Recentemente, a revista eletrônica Domingo
Espetacular da Rede Record fez uma matéria especial sobre os 10 anos da ação
criminosa que chocou o país mostrando as investigações feitas na residência dos
Richthofen depois do delito.
As filmagens foram feitas por uma das câmeras da Polícia
Militar na época em que fazia a perícia na casa. As imagens mostravam cenas de
como se encontrava a residência dos Richthofen após o homicídio dos pais. A
câmera registrou objetos espalhados no chão e os pais de Suzane na cama, mortos
após a violência cometida pelos irmãos Cravinhos a pedido da filha.
Através do
produtor Tony Chastinet, o Domingo Espetacular conseguiu o acesso às
informações e veiculou na TV algumas cenas de como a casa se encontrava durante
as investigações que estavam sendo feitas pela polícia. Experiente e conhecedor
da lei, Tony acredita que a divulgação do material colhido atende tanto ao
interesse jornalístico, no sentido de contar como foi a execução dos pais de
Richthofen, quanto o interesse público, que desperta a atenção da sociedade por
conta da brutalidade do crime e pelo fato do envolvimento de uma jovem de
classe média alta, no caso, Suzane, que planejou as mortes de Manfred Von
Richthofen e Marísia Von Richthofen.
“Por se tratar de um crime grave e de grande
repercussão, as imagens ajudam a contar a história ocorrida há 10 anos e
mostrar o trabalho de investigação. Certamente, a veiculação de imagens
inéditas ajudou na repercussão”, diz o produtor, que ressalta que a polícia
ainda não tinha os suspeitos do crime no momento da gravação das imagens, sendo
esclarecido o caso alguns dias depois com a prisão de Suzane e dos irmãos
Cravinhos.
Para o tratamento das imagens, a edição teve que recorrer a
recursos como colocar “blur” em algumas imagens, como forma de borrar cenas que
poderiam ser muito fortes em razão ao horário em que passava o jornalístico.
Já em relação a casos diferentes a esse tema, mas com a
mesma linha de pensamento, no futebol, a
exposição da imagem de jogadores consagrados em cenas que podem ser
consideradas incomuns ou até impróprias rendem bastante polêmica na mídia.
Exemplo disso é o ex-jogador Ronaldo. Na volta ao Brasil e jogando pelo Milan,
da Itália, o “Fenômeno” teve um suposto envolvimento com travestis em 2008,
durante suas férias no Rio de Janeiro.
Na época, o boleiro havia chamado a acompanhante que atendia
pelo nome de Andréia Albertini para um Motel. Logo depois, mais dois travestis
teriam se juntado a eles. No final daquele ano, o caso foi parar no Tribunal de
Justiça. Segundo depoimento de Andréia, que na verdade era André Luiz Ribeiro
Albertini, o jogador estava à procura por drogas. Ronaldo o acusou formalmente
por extorsão na época.
Dentro deste caso, podemos sugerir que Ronaldo ganharia a
causa, pois se tratando da imagem de uma pessoa pública e conhecida em âmbito
mundial, o futebolista alegou ser vítima de engano e que a travesti lhe teria
chantageado em troca de dinheiro.
Mas vale lembrar que não só apenas estamos questionando a
imagem de Ronaldo. A repercussão da história também escandalizou a identidade
da acompanhante travesti. Em uma observação feita através de uma matéria
divulgada pelo site “Observatório da Imprensa”, em Maio de 2008, o fato de os
veículos terem usado mais o nome masculino de registro para se referir à
Andréia teriam sido interpretados de maneira pejorativa.
Alguns pontos analisados como a exposição pessoal, o desrespeito
à identidade com o uso de pronomes masculinos e a “agressão” da mídia em torno
do personagem por ser um travesti e acompanhante, sendo desqualificado seu
discurso durante julgamento, também são questionamentos a ser levantados. Assim,
podemos dizer que o conselho da LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e travestis),
órgão que defende a diversidade cultural e humana poderia recorrer a uma ação
em favor da preservação da imagem da travesti segundo o Art. 1º da Constituição
Federal, que remete a dignidade da pessoa humana, além do Art. 3º que diz sobre
a redução da desigualdade social e regional e a promoção do bem a todos sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
Apesar de Andréia ter sofrido estigma social, a travesti não
ficaria totalmente impune, sendo indiciada pela acusação de extorsão a Ronaldo.
Uma das acompanhantes que estava envolvida depôs ao delegado responsável pelo
caso afirmando que houve a chantagem ao jogador por dinheiro. Além disso, Andréia
teria de responder pelo furto do documento do carro do atleta sem a autorização
do mesmo.
Há um quesito que acredito que seja importante de citarmos.
O interesse público que se confronta com o interesse do público, que seria
visto como o sensacionalismo que é praticado por muitos veículos de
comunicação. Mas como saber distinguir dos dois?
O interesse público tem como objetivo principal mostrar as
notícias mais importantes pelo fato de uma aproximação maior com o público em
geral, por gerar um grande debate à sociedade em torno do acontecimento e
também por ser o acontecimento do dia ou da semana, independente da
periodicidade do jornal.
Já o interesse do público posso entender que seja mais
específico e detalhista. O que muitos querem ver na notícia como o que é
necessário e bastante para se informar, outros querem saber os pormenores da
situação. E muitas vezes, a ética do jornalista é um ponto crucial para
debates.
E falando
neste assunto, como fica a questão do direito à privacidade? O conflito é
iminente. Acima do Código de Ética, a Constituição garante não apenas a
liberdade de expressão como também veda a censura. O jornalista, de posse de
determinadas informações de grau de relevância social, e nisso, tratando-se de
uma causa do interesse público, digamos que há uma “brecha” neste sentido.
Noticiar um fato de apelo humano gera grandes discussões e opiniões a
sociedade, que por meio do que foi publicado, tem suas conclusões.
O jornalista em meio ao mercado visa conseguir seu espaço na
área através de seu trabalho. E para isso, às vezes é necessário se submeter a
formas como a empresa quer tratar determinados acontecimentos e publicá-los.
Umas das cláusulas do Código de Ética dos Jornalistas diz que o mesmo pode
querer realizar as tarefas propostas pelo veículo de comunicação por não serem
convictas à sua razão e contraditórios ao seu modo de percepção e análise
profissional. Então, cabe ao jornalista como lidar com este tipo de situação.
Este argumento pode ser usado de maneira favorável ao jornalista
no caso de ganho de causa. Mas o que não se deve ser feito é usar este mesmo
fator como uma simples desculpa para não querer produzir. A empresa deve entrar
em concordância com seu empregado e buscar da melhor forma resolver esse
problema de maneira mais clara e sem empecilhos.
Mais um fator a ser levantado é a questão da autenticidade
das matérias. No jornalismo de TV podemos observar que, na maioria das vezes,
ao final das matérias, os jornalistas responsáveis pela construção da
reportagem, e nisso, estão inclusos editores de texto e produtores assinam a
matéria colocando seus nomes como autores do trabalho. Já acompanhei casos em
que editores não aceitaram creditar seus nomes pelo fato de as reportagens
conterem elementos que foram colocados sem a conscientização do jornalista
responsável, havendo muita discussão em torno desta medida.
Neste sentido, se caso o jornalista responsável pela matéria
quiser mover uma ação judicial a empresa contratante pode ganhar a causa, a não
ser que haja alguma cláusula imposta pelo veículo ao empregado na assinatura do
contrato de trabalho, favorecendo o empregador e implicando o jornalista
durante o processo.
Estas são questões em que o jornalista necessita-se manter
atento e “pisar em ovos” quando o assunto é a busca pelos seus direitos. Muitas
empresas, e não digo apenas as de comunicação, consideram seus funcionários
como “hipossuficientes,” que não possuem condições plenas pala requerer pelos
seus direitos.
A justiça e os órgãos que defendem o empregado, no caso, o
jornalista, como a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) que é considerado
um sindicato muito forte da categoria, protege a causa e os direitos dos mesmos
em razão à prática e o exercício legal da profissão, além de a empresa
contratante se encontrar em conformidade e condições regularizadas que permitem
proporcionar um ambiente mais agradável e aberto a opiniões e ideias do
jornalista, que consegue produzir mais e satisfazer-se com o ambiente em que
trabalha.
O jornalista deve acima de tudo ter seu respeito e sua
dignidade preservada, sendo respondido por aquilo que publica e não pela sua
integridade moral. A profissão requer um equilíbrio entre ambas as partes, mas
cabe ao jornalista avaliar o que lhe é viável ou não. A escolha é determinante
para o processo de produção e tanto empresa quanto o empregado devem se
encontrar em total sintonia em prol a levar a informação ao seu público de
maneira séria e profissional.