domingo, 2 de dezembro de 2012

A questão da ética jornalística em jogo

Por: Leandro Massoni


Durante o nosso caminhar da profissão, acompanhamos diversas histórias que envolvem a identidade de pessoas que se encontram envolvidas em casos de polícia e de violência noticiados diariamente pelos veículos de comunicação. Mas o que deve sempre prevalecer é a forma como você trabalha com esses fatos.

No Art. 5º da Constituição Federal de 1998, que diz respeito à liberdade de expressão, também reflete que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, dando segurança ao direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Neste quesito, devem ser avaliados os métodos como são apuradas as matérias levando em consideração a questão da imagem veiculada dos que estão presentes ao acontecimento.

Analisando a forma como a TV trabalha seu conteúdo, existem certos pontos a serem debatidos. A forma como a mídia busca tratar o seu conteúdo visando noticiar a realidade para seu determinado público às vezes pode gerar vários desdobramentos e discussões da forma como foi tratado o tema. É preciso ter delicadeza quando o assunto é expor a imagem de um sujeito que pode ser tanto o bandido quanto uma vítima ameaçada.

Existem hoje muitos programas jornalísticos que têm como objetivo mostrar, por meio de um tom mais policialesco e sensacionalista a forma como o assunto é narrado. Assistimos casos que, até um determinado ponto, começamos a questionar se era o necessário a veiculação de certas imagens, argumentos ou a busca pela notícia através de recursos que se encontram na legislação como ilegais para a prática do jornalismo.

O valor jornalístico é o fator preponderante para o enriquecimento da matéria. Os métodos usados na busca por informações que possam ser relevantes são considerados válidos para a divulgação de uma reportagem com cunho investigativo mais aprofundado.

Um dos casos em que este pensamento se encaixa é o do assassinato cometido pelos irmãos Cravinhos aos pais de Suzane Von Richthofen, a própria mandante do crime em 2002. Recentemente, a revista eletrônica Domingo Espetacular da Rede Record fez uma matéria especial sobre os 10 anos da ação criminosa que chocou o país mostrando as investigações feitas na residência dos Richthofen depois do delito.

As filmagens foram feitas por uma das câmeras da Polícia Militar na época em que fazia a perícia na casa. As imagens mostravam cenas de como se encontrava a residência dos Richthofen após o homicídio dos pais. A câmera registrou objetos espalhados no chão e os pais de Suzane na cama, mortos após a violência cometida pelos irmãos Cravinhos a pedido da filha.

Através do produtor Tony Chastinet, o Domingo Espetacular conseguiu o acesso às informações e veiculou na TV algumas cenas de como a casa se encontrava durante as investigações que estavam sendo feitas pela polícia. Experiente e conhecedor da lei, Tony acredita que a divulgação do material colhido atende tanto ao interesse jornalístico, no sentido de contar como foi a execução dos pais de Richthofen, quanto o interesse público, que desperta a atenção da sociedade por conta da brutalidade do crime e pelo fato do envolvimento de uma jovem de classe média alta, no caso, Suzane, que planejou as mortes de Manfred Von Richthofen e Marísia Von Richthofen.

Por se tratar de um crime grave e de grande repercussão, as imagens ajudam a contar a história ocorrida há 10 anos e mostrar o trabalho de investigação. Certamente, a veiculação de imagens inéditas ajudou na repercussão”, diz o produtor, que ressalta que a polícia ainda não tinha os suspeitos do crime no momento da gravação das imagens, sendo esclarecido o caso alguns dias depois com a prisão de Suzane e dos irmãos Cravinhos.

Para o tratamento das imagens, a edição teve que recorrer a recursos como colocar “blur” em algumas imagens, como forma de borrar cenas que poderiam ser muito fortes em razão ao horário em que passava o jornalístico.

Já em relação a casos diferentes a esse tema, mas com a mesma linha de pensamento,  no futebol, a exposição da imagem de jogadores consagrados em cenas que podem ser consideradas incomuns ou até impróprias rendem bastante polêmica na mídia. Exemplo disso é o ex-jogador Ronaldo. Na volta ao Brasil e jogando pelo Milan, da Itália, o “Fenômeno” teve um suposto envolvimento com travestis em 2008, durante suas férias no Rio de Janeiro.

Na época, o boleiro havia chamado a acompanhante que atendia pelo nome de Andréia Albertini para um Motel. Logo depois, mais dois travestis teriam se juntado a eles. No final daquele ano, o caso foi parar no Tribunal de Justiça. Segundo depoimento de Andréia, que na verdade era André Luiz Ribeiro Albertini, o jogador estava à procura por drogas. Ronaldo o acusou formalmente por extorsão na época.

Dentro deste caso, podemos sugerir que Ronaldo ganharia a causa, pois se tratando da imagem de uma pessoa pública e conhecida em âmbito mundial, o futebolista alegou ser vítima de engano e que a travesti lhe teria chantageado em troca de dinheiro.

Mas vale lembrar que não só apenas estamos questionando a imagem de Ronaldo. A repercussão da história também escandalizou a identidade da acompanhante travesti. Em uma observação feita através de uma matéria divulgada pelo site “Observatório da Imprensa”, em Maio de 2008, o fato de os veículos terem usado mais o nome masculino de registro para se referir à Andréia teriam sido interpretados de maneira pejorativa.

Alguns pontos analisados como a exposição pessoal, o desrespeito à identidade com o uso de pronomes masculinos e a “agressão” da mídia em torno do personagem por ser um travesti e acompanhante, sendo desqualificado seu discurso durante julgamento, também são questionamentos a ser levantados. Assim, podemos dizer que o conselho da LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e travestis), órgão que defende a diversidade cultural e humana poderia recorrer a uma ação em favor da preservação da imagem da travesti segundo o Art. 1º da Constituição Federal, que remete a dignidade da pessoa humana, além do Art. 3º que diz sobre a redução da desigualdade social e regional e a promoção do bem a todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Apesar de Andréia ter sofrido estigma social, a travesti não ficaria totalmente impune, sendo indiciada pela acusação de extorsão a Ronaldo. Uma das acompanhantes que estava envolvida depôs ao delegado responsável pelo caso afirmando que houve a chantagem ao jogador por dinheiro. Além disso, Andréia teria de responder pelo furto do documento do carro do atleta sem a autorização do mesmo.

Há um quesito que acredito que seja importante de citarmos. O interesse público que se confronta com o interesse do público, que seria visto como o sensacionalismo que é praticado por muitos veículos de comunicação. Mas como saber distinguir dos dois?
O interesse público tem como objetivo principal mostrar as notícias mais importantes pelo fato de uma aproximação maior com o público em geral, por gerar um grande debate à sociedade em torno do acontecimento e também por ser o acontecimento do dia ou da semana, independente da periodicidade do jornal.

Já o interesse do público posso entender que seja mais específico e detalhista. O que muitos querem ver na notícia como o que é necessário e bastante para se informar, outros querem saber os pormenores da situação. E muitas vezes, a ética do jornalista é um ponto crucial para debates.

E falando neste assunto, como fica a questão do direito à privacidade? O conflito é iminente. Acima do Código de Ética, a Constituição garante não apenas a liberdade de expressão como também veda a censura. O jornalista, de posse de determinadas informações de grau de relevância social, e nisso, tratando-se de uma causa do interesse público, digamos que há uma “brecha” neste sentido. Noticiar um fato de apelo humano gera grandes discussões e opiniões a sociedade, que por meio do que foi publicado, tem suas conclusões.

O jornalista em meio ao mercado visa conseguir seu espaço na área através de seu trabalho. E para isso, às vezes é necessário se submeter a formas como a empresa quer tratar determinados acontecimentos e publicá-los. Umas das cláusulas do Código de Ética dos Jornalistas diz que o mesmo pode querer realizar as tarefas propostas pelo veículo de comunicação por não serem convictas à sua razão e contraditórios ao seu modo de percepção e análise profissional. Então, cabe ao jornalista como lidar com este tipo de situação.

Este argumento pode ser usado de maneira favorável ao jornalista no caso de ganho de causa. Mas o que não se deve ser feito é usar este mesmo fator como uma simples desculpa para não querer produzir. A empresa deve entrar em concordância com seu empregado e buscar da melhor forma resolver esse problema de maneira mais clara e sem empecilhos.

Mais um fator a ser levantado é a questão da autenticidade das matérias. No jornalismo de TV podemos observar que, na maioria das vezes, ao final das matérias, os jornalistas responsáveis pela construção da reportagem, e nisso, estão inclusos editores de texto e produtores assinam a matéria colocando seus nomes como autores do trabalho. Já acompanhei casos em que editores não aceitaram creditar seus nomes pelo fato de as reportagens conterem elementos que foram colocados sem a conscientização do jornalista responsável, havendo muita discussão em torno desta medida.

Neste sentido, se caso o jornalista responsável pela matéria quiser mover uma ação judicial a empresa contratante pode ganhar a causa, a não ser que haja alguma cláusula imposta pelo veículo ao empregado na assinatura do contrato de trabalho, favorecendo o empregador e implicando o jornalista durante o processo.

Estas são questões em que o jornalista necessita-se manter atento e “pisar em ovos” quando o assunto é a busca pelos seus direitos. Muitas empresas, e não digo apenas as de comunicação, consideram seus funcionários como “hipossuficientes,” que não possuem condições plenas pala requerer pelos seus direitos.

A justiça e os órgãos que defendem o empregado, no caso, o jornalista, como a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) que é considerado um sindicato muito forte da categoria, protege a causa e os direitos dos mesmos em razão à prática e o exercício legal da profissão, além de a empresa contratante se encontrar em conformidade e condições regularizadas que permitem proporcionar um ambiente mais agradável e aberto a opiniões e ideias do jornalista, que consegue produzir mais e satisfazer-se com o ambiente em que trabalha.

O jornalista deve acima de tudo ter seu respeito e sua dignidade preservada, sendo respondido por aquilo que publica e não pela sua integridade moral. A profissão requer um equilíbrio entre ambas as partes, mas cabe ao jornalista avaliar o que lhe é viável ou não. A escolha é determinante para o processo de produção e tanto empresa quanto o empregado devem se encontrar em total sintonia em prol a levar a informação ao seu público de maneira séria e profissional.